domingo, 26 de junho de 2016

5 comprimidos pra voltar a ser feliz

Antes de vir parar no estado em que estou (spoiler: muito melhor, obrigada), passei por alguns perrengues que vêm com o início do tratamento utilizando psicotrópicos, medicamentos que atuam diretamente no sistema nervoso -- o que não é coisa simples mesmo.

Como uma boa agoniada, fiquei sem saber se devia tomar remédios. Saí pesquisando e lendo bulas antes de decidir tomá-los ("Você realmente leu a bula, Caroline?". Sim. Todinha) para tentar entender o que aconteceria com o meu organismo.



O problema, pra mim, não era só o medo das mudanças no meu corpo, que seriam profundas e imprevisíveis até certo ponto (como com qualquer medicamento), mas a ideia de ser um "zumbi alegre". Acho que todo mundo já ouviu esse termo depreciativo relacionado aos efeitos dos psicotrópicos, ou ao menos imaginou algo semelhante: alguém completamente dopado e sem poder de fazer escolhas conscientemente, incapaz de ficar triste ou qualquer coisa assim. Bom... se não... parabéns. Eu não tive a sorte de estar livre de preconceitos.

Por mais que as coisas tenham mudado, acabei ouvindo algumas ideias tortas a minha vida inteira, como "gente que vai a psicólogo tá perdida na vida" ou "vai ao psiquiatra? Deve estar comendo merda, jogando pedra em avião". Mesmo sem querer, absorvi uma parte disso e acabei rejeitando a proposta de usar essa medicação para não parecer "descontrolada", "fraca", "doida". "Doida" é uma palavra tão pesada, não?

Levou tempo -- e um bocado de conversas a respeito com meus amigos próximos -- até alguém me lembrar que eu estive sendo preconceituosa. E acabei relembrando também que, apesar da depressão também ser parte de mim, viver com ela não é "ser eu" completamente. E eu lembrei que a falta de tratamento poderia me levar de volta à apatia. Ao não sentir.

Isso era o que eu mais temia.

Voltei a considerar os remédios.

***

Tenho a receita para o Exodus, que é basicamente escitalopram (ou oxalato de escitalopram), um antidepressivo que funciona como inibidor seletivo de recepção de serotonina, o neurotransmissor responsável por controlar a raiva, o humor, o apetite, percepção, desejo sexual, atividades motoras e percepção cognitiva. A serotonina também interage com outros neurotransmissores que controlam ansiedade, angústia, medo e agressividade. Ela é aquele negocinho que provoca a sensação de satisfação na gente, enfim. 

Os antidepressivos em geral demoram algumas semanas para começar a fazer de verdade o efeito desejado -- enquanto os efeitos colaterais são praticamente imediatos. O começo do tratamento é desconfortável para a maioria dos pacientes, física e psicologicamente. As bulas oferecem uma extensa lista de possíveis efeitos, que vão de náusea, dor de cabeça e tremores a agravamento da depressão e ansiedade e pensamentos suicidas. 

***

Sim, a bula assusta. Eu fiquei apavorada, claro, principalmente com a possibilidade de passar algumas semanas com a piora da minha doença. Encarei o início da cartela consciente de que não seriam dias fáceis -- e não foram. Minha mania e ansiedade eram tão intensas que cheguei a planejar febrilmente o horário que começaria o remédio, assim como o dia exato: deveria ser um momento em que não tivesse aulas e que familiares, computador e celular estivessem à disposição (para o caso de precisar pedir ajuda ou ligar para a emergência médica). Quando me decidi, tomei o bendito, aquele disquinho minúsculo. 

Começou, enfim.

Cerca de uma hora depois de tomar o primeiro comprimido, comecei a tremer de um modo que me assustou. Não conseguia firmar as mãos em superfície alguma, os dentes batiam como castanholas. A ansiedade veio e fiquei sem respirar direito após um tempo. Tive náusea e dificuldade de fixar meus olhos em qualquer canto. As primeiras noites também me mostraram a volta do meu bruxismo (o ranger dos dentes durante o sono).

Os cinco primeiros dias passaram em meio a tremores. Comecei a evitar o manuseio de tesouras e facas. Segurar copos (ou enchê-los com uma garrafa) era tarefa complicada. A segunda reação mais forte foi a inquietação: não conseguia ficar sentada, deitada, encostada. Por consequência, não era possível acompanhar as coisas direito. Ficava eufórica facilmente e sem motivo aparente. Os horários de sono também foram trocados: sonolência diurna e indisposição, insônia e agitação durante a noite. Isso se arrastou até o décimo dia, cada sintoma aliviando aos poucos. 

O último efeito inconveniente a ir embora foi a agitação intensa, junto com o ranger dos dentes. Finalmente meu maxilar parou de travar e doer e comecei a ser capaz de me concentrar com um pouco mais de facilidade. Não consigo me lembrar mais dos primeiros dias porque eles todos ficaram um pouco borrados na memória, mas creio que posso afirmar que não senti piora na depressão -- apenas da ansiedade. Nenhum pensamento suicida ou tentativa de me machucar. 

Agora tenho experienciado umas reações mais... intensas... em outras áreas. Nada realmente ruim. Acho que tinha simplesmente esquecido como era viver sem a depressão abafar a minha percepção sobre as coisas. 

Clareza no pensamento às vezes choca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário